Tendo em vista as últimas notícias veiculadas nos meios de comunicação acerca de suposta intransigência dos quilombolas de Alcântara em relação ao projeto espacial brasileiro, as entidades abaixo signatárias vêm a público dizer o que segue:
1. Não há nenhuma intransigência de quilombolas ou de entidades dos movimentos sociais que atuam em Alcântara, a respeito da implantação do projeto espacial brasileiro;
2. O problema do Ministério da Defesa e da Empresa Binacional Alcântara Cyclone Space não são os quilombos, mas o ordenamento jurídico brasileiro e as normas internacionais de direitos humanos que os protegem.
3. Desde o início da década de oitenta o Estado brasileiro vem afrontando tais normas e somente a partir do ano de 2.000 os direitos dos quilombolas de Alcântara começaram a ser reconhecidos.
4. Historicamente a relação estabelecida pelo Estado brasileiro inclui a mentira, o não-cumprimento dos acordos, o deslocamento forçado, a destruição das identidades étnicas, a devastação dos recursos naturais) ;
5. Como conseqüência desses atos violentos, 312 famílias foram deslocadas compulsoriamente, perdendo sua soberania alimentar, tendo sua organização social destroçada e sendo impedidas de construir casas para as novas famílias que se formam;
6. Além das violências cometidas nas agrovilas, tais relações ainda se impunham também nos povoados do litoral até o final do ano de 2.008, com a invasão do território quilombola por empresas vinculadas à Alcântara Cyclone Space, que ali realizaram inúmeras perfurações, suprimiram vegetação sem licença do IBAMA, destruíram caminhos, roçados e margem de rios. Ameaçadas em suas condições de existência as famílias reagiram instalando barreiras, obrigando a empresa a se retirar.
7. Somente com a homologação de um acordo, perante a Justiça Federal, em torno dos limites do território quilombola a ser titulado pelo governo federal, o conflito arrefeceu. As comunidades celebraram a nova postura do governo e a publicação do Relatório de Identificação e Delimitação, pelo INCRA.
8. Depois disso, de maneira inexplicável, representantes do Ministério da Defesa e da Alcântara Cyclone Space passaram a criticar os fundamentos do acordo, hoje decisão judicial transitada em julgado.
9. Ao mesmo tempo, a Alcântara Cyclone Space tentou adentrar o território étnico para fazer estudos ambientais, sem as devidas e necessárias cautelas do diálogo e do direito à informação, com as comunidades e suas entidades de assessoria.
10. O que ficou claro é que a empresa não pretende dialogar na presença das entidades de assessoria aos quilombolas, numa atitude hostil aos movimentos sociais locais. Tanto é que as comunidades aguardaram inutilmente a empresa para uma reunião no dia 18 de fevereiro.
11. Portanto, não há impasse e nem intransigências, da parte dos quilombolas e dos seus movimentos sociais representativos e muito menos interesses ocultos e escusos, como vem afirmando a empresa e setores do governo na mídia. O que há é a inaceitável falta de capacidade de diálogo por parte de setores do Estado brasileiro.
São Luís/MA, 05 de março de 2.009.
– SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE ALCÂNTARA
– MOVIMENTO DOS ATINGIDOS PELA BASE ESPACIAL (MABE)
– MOVIMENTO DAS MULHERES TRABALHADORAS RURAIS DE ALCÂNTARA/MA
– PARÓQUIA DE ALCÂNTARA/MA
– ASSOCIAÇÃO DAS COMUNIDADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS (ACONERUQ)
– CENTRO DE CULTURA NEGRA DO MARANHÃO (CCN/MA)
– CONSELHO MUNICIPAL DAS POPULAÇÕES AFRO-DESCENDENTES DE SÃO LUÍS/MA (COMAFRO)
– FÓRUM DE ENTIDADES NEGRAS DO MARANHÃO
– CENTRO DE CONSCIENTIZAÇÃO NEGRA DE PEDREIRAS/MA
– SOCIEDADE MARANHENSE DE DIREITOS HUMANOS (SMDH)
– FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS NA AGRICULTURA DO ESTADO DO MARANHÃO (FETAEMA)
– GRUPO DE ESTUDOS RURAIS E URBANOS DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS DA UFMA (GERUR)
– INSTITUTO PÓLIS
– JUSTIÇA GLOBAL
– CENTRO PELO DIREITO À MORADIA CONTRA DESPEJOS (COHRE)